domingo, 25 de março de 2018

Quando se substitui a ciência pela política...(2)

Conclusão do artigo de opinião, intitulado "Em medicina, quando se substitui a ciência pela política, quem sofre são os doentes", publicado no jornal online "Observador" no dia 23 do corrente mês, da autoria de António Vaz Carneiro, presidente do Conselho Nacional para a Formação Profissional Contínua e de Miguel Guimarães, Bastonário da Ordem dos Médicos. Com a merecida e devida vénia,

.../... «Um exemplo cabal da cultura anticientífica e da negligência politicamente correcta dos agentes políticos é a recente publicação pelos ministérios da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da Saúde, da Portaria n.º 45/2018 de 9 de fevereiro, que regula os requisitos gerais que devem ser satisfeitos pelo ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado em Medicina Tradicional Chinesa (MTC).

Ao dar irresponsavelmente carta de alforria a um corpo de princípios absolutamente inconcebíveis na sua formulação e significado – Yin e yang, os cinco movimentos, o sistema dos meridianos e ramificações jing luo, os síndromes dos zang fu, a patologia e etipatogenia energéticas, as quatro camadas, os três aquecedores (!!) – os políticos portugueses (não apenas os governantes mas também os deputados que aprovaram esta fraudulenta licenciatura) deram um passo não só para a degradação do sistema de saúde do nosso País, como para o fomento de ilusões acerca de soluções mágicas para doenças bem reais de que os doentes (uma população por definição vulnerável) sofrem.

Este sistema de dois pesos e duas medidas – para se aprovar um medicamento é necessário a produção de evidência científica de alta qualidade, num processo de grande complexidade técnico-científica para garantir um significativo balanço benefício-risco, mas para se utilizar a “massagem tuiná e exercícios energéticos nada é necessário (!) – é em si mesmo eticamente errado e moralmente inaceitável.

As consequências desta grotesca acção legislativa são impossíveis de determinar nesta altura, mas não será difícil esperar problemas graves para os doentes (e saudáveis) que venham a procurar a estes pseudoprofissionais: ir-se-á seguramente verificar a proliferação de “consultórios” de MTC oferecendo vasta gama de intervenções esotéricas e absurdas, com promessas de curas rápidas e baratas.

Porque defendemos um SNS moderno, eficaz, transparente e responsabilizável pelas suas opções, gostaríamos de propor que, em cada uma destas localizações, estivesse exposta de maneira bem clara para os consumidores poderem ver, uma declaração formal de ineficácia desta abordagem nas doenças mais frequentes, importantes e clinicamente graves, informando que, sob o ponto de vista científico, elas não têm qualquer sustentação e que até podem ser perigosas (quer pela toxicidade directa de certas intervenções, quer pelo não tratamento de doenças facilmente curáveis pela medicina alopática).

Apelamos aos doentes que nos leem para exigir às autoridades de saúde informação de qualidade sobre a suas opções de diagnóstico e tratamento, antes de recorrerem a indivíduos não preparados, em contextos não claros, com abordagens desconhecidas e resultados não monitorizados. Só assim poderemos garantir a qualidade dos serviços clínicos e a confiança que devemos ter no sistema de saúde.»

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