segunda-feira, 21 de agosto de 2017

A acupunctura em contexto clínico (1)

Mais um interessante artigo de opinião de David Marçal, adequadamente fundamentado, como é seu apanágio, publicado no jornal "Público" de 20 de Agosto, sob o título "A acupunctura é eficaz para qualquer problema clínico?". Com os agradecimentos habituais, aqui fica a primeira parte,

"Há coisas inacreditáveis que são mesmo verdade e outras que parecem certas mas que não resistem a uma análise crítica. A acupunctura é uma prática antiga e muitas pessoas acreditam que tem bons resultados. Apesar da muita investigação clínica já feita, as provas da sua eficácia são decepcionantes.


A acupunctura consiste na inserção de agulhas em pontos específicos da pele, com o objectivo de tratar ou aliviar os sintomas de uma doença. Pode ser combinada com a aplicação de corrente eléctrica ou a queima de ervas nos pontos de acupunctura. Teve origem na China há milhares de anos, sendo inevitavelmente uma prática pré-científica. É baseada na ideia do qi, uma alegada força vital que anima todos os seres vivos. De acordo com a tradição chinesa, o qi circula pelo corpo através de meridianos e as doenças resultam de bloqueios no fluxo do qi ou de desequilíbrios entre o yin e o yang (dois tipos de qi). O propósito da acupunctura é colocar agulhas em locais-chave para restabelecer o fluxo e o equilíbrio do qi. É uma bela história, mas a existência de uma “energia vital” não tem nenhum fundamento científico.

A acupunctura pode ter milhares de anos e a medicina baseada na ciência apenas algumas décadas, mas nessas décadas a nossa vida melhorou e aumentou incrivelmente. Ao longo do século XX, foram desenvolvidos métodos estatísticos para avaliar a eficácia de um tratamento.

Nos ensaios clínicos, os doentes são divididos aleatoriamente em dois grupos. Neste caso, um dos grupos é sujeito ao tratamento de acupunctura e o outro a um tratamento em tudo igual, excepto naquilo cujo efeito se quer testar, ou seja, a inserção de agulhas em pontos específicos. Para isso, podem-se usar agulhas retrácteis que simulam a inserção na pele (acupunctura simulada). O paciente não deverá saber se está no grupo de acupunctura real ou simulada. Idealmente, o acupunctor também não, mas isso é mais difícil. Avalia-se durante algum tempo o estado de saúde dos pacientes nos dois grupos para ver se há alguma diferença entre aqueles que foram sujeitos ao tratamento de acupunctura ou simplesmente ao teatro da acupunctura.

Mas ainda não chega. É preciso levar em consideração todos os ensaios clínicos bem feitos acerca de um determinado tratamento e juntá-los numa grande amostra combinada, que permita tirar uma conclusão global mais robusta. É isso que se faz nas revisões sistemáticas da literatura médica. É isso que é a medicina baseada na ciência. E é essa a exigência a que é sujeito qualquer medicamento para entrar no mercado.".../...

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